quarta-feira, 19 de agosto de 2009

ABRACE O GUAÍBA




O GUAIBINO

Tania Jamardo Faillace[1]



1. As margens de rios navegáveis são de propriedade do Estado: não podem ser alienadas a título algum; no máximo, podem ser objeto de cessão de uso. Em caso de morte, falência ou cessação da atividade que originou a cessão de uso, o imóvel é devolvido ao Estado.



2. Não se sabe exatamente o que aconteceu com o terreno onde se pretendia erguer o Pontal do Estaleiro, nem como foi parar dentro do espólio do mesmo, pois há muita confusão no referente a suas escrituras...



3. A lei 470, de 2002, não privatizou a área, apenas alterou alguns quesitos de utilização da gleba, como lei complementar ao PDDUA de 1999. Mesmo assim, há dúvidas sobre sua oportunidade, porque, superior a ela, existe o Código Florestal federal, que institui margens protegidas como APP (áreas de preservação permanente) a todos os cursos de água, e proporcionais à largura do mesmo.



4. A lei 614, a atual, que foi resultado de uma verdadeira novela de conhecimento público, instaurou um uso não compatível com a APP.



5. A base disso tudo, está numa discussão acadêmica sobre se o Guaíba seria rio ou lago. A nível federal, segundo o IBGE, é rio, e está dito. Isto é, o RG do Guaíba o consigna como rio. Para alterar isso, só uma nova prova de DNA, que não foi feita nem pedida.



A nível estadual, há uma parafernália de concepções, que espelham a disputa acadêmica sobre o assunto. Uns dizem que é lago, outros reafirmam que é rio, outros lembram sua origem como estuário, e outros concluem que o Guaíba é um fenômeno sui generis, que nenhum outro país do mundo conhece. Isto é, trata-se do curso inferior do rio Jacuí, que inundou margens baixas, formando um lago secundário em nível superior. Assim, o delta do Jacuí sequer seria um delta, pois os deltas autênticos formam canais divergentes, e as ilhas do Jacuí formam canais convergentes.. Isso significa que o Jacuí não termina junto a suas ilhas, mas continua. E continua mesmo, a 8 metros de profundidade abaixo da superfície da massa dágua que conhecemos como Guaíba.
Anteriormente, o conjunto formava um estuário, porque não existia integralmente a península que sedia Mostardas, e a água do mar chegaria à região de Porto Alegre. Com a consolidação da península, o mar recuou. A Lagoa dos Patos ainda conserva os chamados paleo-canais de velhos rios assoreados. No Guaíba, o canal ou calha do rio Jacuí é extremamente atual e ativo, com grande vazão de metros cúbicos por segundo. Então, o Jacuí corre por baixo do Guaíba, formando esse conjunto extraordinário, que caracteríza nossa hidrodiversidade.
Eu sugeriria até, a criação de uma nova classificação hídrica para acomodar o Guaíba, o guaibino, com sua composição híbrida.
O problema se dá apenas a nível das disputas acadêmicas, que são tradição dentro da Ciência ocidental. Ora umas teorias obtêm aplausos, ora, outras. Nessas disputas acadêmicas, ora uns conseguem a supremacia, ora outros. Numa dessas, foi consagrado a nível estadual, de uso, o termo Lago (totalmente informal porque não reconhecido pelo IBGE) para qualificar o Guaíba.
Essa circunstância permitiu que os oportunistas de plantão vissem a chance de aproveitar as facilidades do “lago”: menores margens de preservação. Até 500m para um curso dágua da largura do Guaíba, e um mínimo de 30m para um lago.
Isso é a porta aberta para um desastre ecológico irreversível. O Guaíba está em fase de pré-colapso, junto com os outros rios da bacia, como o Sinos e o Gravataí, este totalmente morto, embora a Farsul tenha elogiado sua saúde na recente audiência pública com o Ministro Minc em Porto Alegre.
No I Mundo, onde a consciência ecológica amadurece, compreendeu-se que os cursos dágua e também os lagos e lagoas necessitam de uma mata ciliar ou anular, e que não é possível deixar suas margens abandonadas ao concreto, e à ocupação intensiva.



CONSULTA POPULAR



A consulta popular não passa de uma jogada de marketing político.
Não é popular, porque não contempla as várias opções do cidadão com respeito à orla: tem apenas uma pergunta capciosa, que consagra a construção de prédios comerciais na orla, e apenas oferece a alternativa de barrar os residenciais - o que, para o meio ambiente, tanto faz como tanto fez...
Não é democrática, porque sua restrição a uma pequeníssima porcentagem de eleitores de Porto Alegre, a elitiza, privilegiando uma minoria inferior a 5% de nosso eleitorado. Não é, pois, universal, como exigiria nosso regime democrático.
Não tem efeitos práticos para a preservação da orla e para a alternativa da construção de um parque ecológico inteiramente público.
Negamos, pois, a utilidade, validade e legitimidade dessa Consulta.
Evidentemente, as pessoas são livres para irem votar a consagração da construção comercial na orla.
Se, porém, essas pessoas aproveitarem melhor seu tempo, fazendo o abraço ao Guaíba, e partir para a discussão de meios efetivos de impedir a ocupação da orla de forma definitiva, poderão começar a organizar-se para exigir dos poderes públicos um Plano Diretor para toda a Orla, seu gerenciamento e fiscalização integrados, seu aproveitamento por toda a população de forma ativa e útil - não apenas nos fins de semana para as tradicionais churrascadas, mas para toda a semana, com projetos modulares de esportes, possível colônia de férias, educação ambiental, cultivo de viveiros de nativas e criatório de espécies da fauna original da restinga do Guaíba, com a conseqüente criação de emprego e renda, tanto para técnicos científicos como para a população de menor escolaridade , oferecendo ocupação sadia para sua juventude.



[1]jornalista, escritora

delegada da Região de Planejamento 1

pela não ocupação imobiliária das margens doGuaíba

http://abraceoguaiba.wordpress.com

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