Muito além da polêmica sobre a presença ou não da PM no campus da USP
É uma enorme falácia, dentro ou fora da universidade, dizer que presença de polícia é sinônimo de segurança e vice-versa.
05/11/2011
Raquel Rolnik
Ontem
participei, a convite do Grêmio da FAU, de um debate sobre a questão da
segurança na USP e a crise que se instalou desde a semana passada,
quando policiais abordaram estudantes da FFLCH, cujos colegas reagiram.
Além de mim, estavam na mesa o professor Alexandre Delijaicov, também
da FAU, e um estudante, representando o movimento de ocupação da
Reitoria.
Para além da polêmica em torno da ocupação da
Reitoria, me parece que estão em jogo nessa questão três aspectos que
têm sido muito pouco abordados. O primeiro refere-se à estrutura de
gestão dos processos decisórios dentro da USP: quem e em que
circunstâncias decide os rumos da universidade? Não apenas com relação à
presença da Polícia Militar ou não, mas com relação à existência de uma
estação de metrô dentro do campus ou não, ou da própria política de
ensino e pesquisa da universidade e sua relação com a sociedade. A
gestão da USP e de seus processos decisórios é absolutamente estruturada
em torno da hierarquia da carreira acadêmica.
Há muito
tempo está claro que esse modelo não tem capacidade de expressar e
representar os distintos segmentos que compõem a universidade, nem de
lidar com os conflitos, movimentos e experiências sociopolíticas que
dela emergem. O fato é que a direção da USP não se contaminou
positivamente pelas experiências de gestão democrática, compartilhada e
participativa vividas em vários âmbitos e níveis da gestão pública no
Brasil. Enfim, a Universidade de São Paulo não se democratizou.
Um
segundo aspecto diz respeito ao tema da segurança no campus em si. É
uma enorme falácia, dentro ou fora da universidade, dizer que presença
de polícia é sinônimo de segurança e vice-versa. O modelo urbanístico do
campus, segregado, uni-funcional, com densidade de ocupação baixíssima e
com mobilidade baseada no automóvel é o mais inseguro dos modelos
urbanísticos, porque tem enormes espaços vazios, sem circulação de
pessoas, mal iluminados e abandonados durante várias horas do dia e da
noite. Esse modelo, como o de muitos outros campus do Brasil, foi
desenhado na época da ditadura militar e até hoje não foi devidamente
debatido e superado. É evidente, portanto, que a questão da segurança
tem muito a ver com a equação urbanística.
Finalmente,
há o debate sobre a presença ou não da PM no campus. Algumas perguntas
precisam ser feitas: o campus faz parte ou não da cidade? queremos ou
não que o campus faça parte da cidade? Em parte, a resposta dada hoje
pela gestão da USP é que a universidade não faz parte da cidade: aqui há
poucos serviços para a população, poucas moradias, não pode haver
estação de metrô, exige-se carteirinha para entrar à noite e durante o
fim de semana. Tudo isso combina com a lógica de que a polícia não deve
entrar aqui. Mas a questão é maior: se a entrada da PM no campus
significa uma restrição à liberdade de pensamento, de comportamento, de
organização e de ação política, nós não deveríamos discutir isso pro
conjunto da cidade? Então na USP não pode, mas na cidade toda pode? Que
PM é essa?
Essas questões mostram que o que está em jogo é muito mais complexo do que a polêmica sobre a presença ou não da PM no campus.
Raquel
Rolnik é arquiteta urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da PUC-Campinas e coordenadora da área de urbanismo do Pólis -
Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais.
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